Nosso educando Otto Alcântara fez um estudo aprofundado sobre armas brancas, pesquisou muito sobre essa arte e descobriu que cutelaria é a arte de forjar armas brancas e ferramentas de metal. Durante a sua pesquisa, ele teve a oportunidade de entrevistar um cuteleiro profissional, o Andrey Narrave. Esta entrevista está muito interessante, cheia de informações surpreendentes. Quer saber mais?! Então leia a entrevista abaixo!
(Otto) Oi Andrei, meu nome é Otto, eu tenho 9 anos.
E nesse semestre, na minha escola, eu escolhi o tema Armas Brancas e como você é um ferreiro eu planejei uma listinha de perguntas pra fazer pra você.
Tudo bem se você responder essas perguntar para mim?
(Andrey) Sim, Otto.
(Otto) Qual é o tipo de metal que você usa pra fazer suas espadas, armas?
(Andrey) Eu uso o aço, o mesmo metal que se usava na Idade Média. Antigamente na Roma Antiga, na Grécia Antiga se usava bronze ou outros metais. Então desde que a tecnologia do aço foi dominada, todas as espadas, armas brancas passaram a serem feitas de aço, porque ele é mais duro, as lâminas ficam mais fortes.
(Otto) Quais são os materiais que você usa para fazer seus cabos e guardas?
(Andrey) Bom, as guardas geralmente são de aço também, claro que é possível usar outros metais também, bronze, latão, outras ligas. É comum usar o aço inox pra guardas, mas também é comum o uso do aço carbono que é um aço contra ferrugem, ou bronze e latão, ligas de metais não ferrosos. Alumínio não se usa mais não, algumas peças industrializadas ainda utilizam, mas na cutelaria artesanal, não se usa.
(Otto) Legal!
(Andrey) Para os cabos, têm uma variedade bem grande de materiais, nas linhas mais tradicionais, como a minha, a gente usa materiais mais naturais, geralmente são madeiras, mas também alguns chifres de animais, existem algumas espécies de cervos que são veados bem grandes que eles trocam de chifres todo ano, depois do período de acasalamento os chifres caem. Passam uns nove meses esses chifres crescem de novo. Então existem uns coletores desse material e então eles vendem para fazer cabos de facas.
(Otto) Olha que legal , não sabia disso! Nova informação!!!
(Andrey) É um material bem bonito e muito muito forte.
(Otto) Legal!
(Andrey) Têm pessoas que usam osso também, chifre de boi e é sempre um garimpo procurar peças bonitas e resistentes de chifre.
(Otto) Me veio outra pergunta: Você trança couro nos cabos?
(Andrey) De facas não, mas de machado já. Eu já fiz alguns machados vikings que na empunhadura no lugar onde segura, eu coloquei couro.
(Otto) Fica melhor para segurar o machado quando você enrola com couro?
(Andrey) Nesse caso, em machados de batalha sim, porque a mão pode estar molhada ou suada e o machado não vai escorregar da sua mão.
(Otto) Olha que legal!!! Também não sabia!
Gostaria de saber como começou com a profissão de ferreiro. Você já se interessava quando era criança ou só depois de adulto?
(Andrey) Já me interessava, quando era criança não conhecia muito a respeito da profissão de ferreiro, mas eu sempre me interessei pelas artes manuais, então desde criança eu fazia desenhos, esculturas em madeira e gostava muito desse universo medieval, de fantasia medieval. Sempre gostei muito. Meu primeiro contato com a cutelaria prática foi aos 19 anos, eu era escultor e eu tinha muita dificuldade de comprar formões de qualidade, e ai nessa busca pelos formões de qualidade, que descobri a cutelaria, assim fiz meus primeiros formões. Então durante mais ou menos 10 anos, eu continuei fazendo formões, depois disso eu fui para a faculdade de Escultura e durante a faculdade eu me sustentava fazendo formões para escultura, para outros escultores, até que finalmente depois de 10 anos, fiz minha primeira faca. Daí eu nunca mais parei de fazer facas, deixei de lado a escultura, gravura, cerâmica e acabei me fixando na cutelaria.
(Otto) Que legal Andrei, os meus pais eles também tem o trabalho de fazer esculturas.
(Andrey) Que legal!
(Otto) São esculturas de resina e agora estamos fazendo de cerâmica.
(Otto) Você sente prazer por estar na sua oficina fazendo seu trabalho? Você gosta de fazer isso?
(Andrey) Gosto, claro! Todo trabalho assim artesanal, autônomo, assim eu tenho uma grande autonomia. E a forma como eu trabalho de uns anos pra cá eu parei de aceitar encomendas e eu passei a fazer só que eu quero fazer. Então de certa forma eu sinto muito mais prazer. Eu tenho muitos colegas de profissão que gostam muito de encomenda, mas eu não gosto. Gosto de não ter planejamento, gosto de chegar na oficina e fazer o que quero fazer.
(Otto) Que legal! Isso é muito importante! Meus pais também não aceitam encomendas. (Risos)
(Andrey) Exatamente como falei, há exceções, eu tenho muitos amigos cuteleiros que a tranquilidade deles é ter uma agenda de encomendas cheia, e isso gera certa segurança, mas pra mim é o contrário. Quando trabalhava sob encomendas, quanto mais encomenda tinha, eu me sentia mais ansioso, preso, não era legal. Então pra cada um é de um jeito, cada pessoa é diferente.
(Otto) Muito legal, eu também sinto prazer quando eu estuo desenhando e quando eu estou entalhando minhas faquinhas de madeira. Faço umas faquinhas de madeira pra ficar jogando. (risinhos)
(Andrey) Na sua idade eu fazia esculturas no lápis, eu fazia totens.
(Otto) QUE LEGALLLL!!! Meus pais também fazem totens de madeira. Muito legal!
Você mesmo é quem cria o design das ferramentas e armas?
(Andrey) Sim sou eu, eu tenho minhas inspirações, em alguns estilos. Meus machados são muito inspirados em machados nórdicos. Mas também tenho algumas inspirações de alguns mestres específicos, alguns cuteleiros que hoje já são idosos, mas tem uma importância histórica…
Inspirações de alguns trabalhos, mas todas as minhas peças e desenhos são criados por mim. Aperfeiçoados, modificados ao longo dos anos. Meu trabalho está sempre mudando.
(Otto) Me veio outra pergunta: Você se inspira em trabalhos que você já fez para criar novos trabalhos?
(Andrey) Sim, sim, tem alguns trabalhos que eu gosto muito e eu guardo alguns desenhos deles em tamanho real, mesmo que eu não vá reproduzir depois pra ter como uma base, uma referência para criação de peças futuras.
(Otto) É e também você tem assistentes no seu trabalho?
(Andrei) Não. Eu, assim de vez em quando, eu já tive alguns ajudantes, mas em geral, na cutelaria manual, é diferente de antigamente, quando você tinha aprendizes, cada ferreiro tinha 3, 4 aprendizes fazendo força. ( risos) Hoje esse trabalho braçal foi substituído pelas máquinas que fazem força por mim. A gente faz a parte fina, a parte artística. Então eu já tive alguns ajudantes, mas é muito difícil ser ajudado na cutelaria, porque todas as peças que faço hoje, a habilidade pra fazer eu conquistei ao longo dos anos então se eu chamar um ajudante eles não conseguem fazer o que faço. Acabam estragando a peça, ou se machucam, e acabam levando o dia todo para fazer uma coisa que eu faço em minutos. Então eu acabo trabalhando sozinho.
(Otto) Qual a cultura que você se inspira pra fazer seus projetos?
(Andrey) Em machados eu gosto muito dos machados europeus, machados nórdicos, eu gosto também dos “tomahawks” machados dos indígenas norte- americanos. As facas, temos algumas culturas de facas no Brasil, bem interessantes principalmente no Rio Grande do Sul e no Nordeste, são dois lugares onde a cutelaria em geral sobreviveu ao tempo, no restante do Brasil esse tipo de serviço praticamente desapareceu, e hoje estão renascendo. Existe o “gaúcho stile”, que são as facas gaúchas, e as facas nordestinas também chamadas de facas de ponta.
(Otto) Muito legal, você está me dando muita informação que eu não sabia. Muita informação legal, interessante que eu também vou pesquisar esses designes dessas facas, porque agora fiquei interessado.
Em qual temperatura você costuma fazer a têmpera, você usa termômetro ou observa a cor do metal?
(Andrey) Bom, a temperatura de tempera varia de acordo com o aço, temos uma grande variedade de aços para lâminas, alguns são melhores em tenacidade que aguentam impacto, e esses são bons para facões, alguns aços têm grande resistência no fio, mas são quebradiços. Então são usados para canivetes, lâminas curtas, mas respondendo sua pergunta, a têmpera varia de 800º a 1800º e a medição de temperatura eu sei fazer a olho, pela cor do aço em ambiente de pouca luz. Nos meus cursos eu ensino esse método porque é o tradicional, mas de uns 5 anos pra cá, eu uso um método de forno de temperatura controlada, ou forno elétrico. Então é só digitar a temperatura desejada e colocar a lâmina lá dentro e esperar, colocar o despertador na hora de tirar a lâmina.
(Otto) Outra coisa que eu estou interessado: Você usa um martelo pneumático ou você vai no martelo e bigorna?
(Andrey) Eu uso uma prensa hidráulica, cumpre mais ou menos a função do martelo pneumático. Basicamente ela esmaga o aço, a diferença é que um dá pancadas e o outro esmaga. Mas eles cumprem a mesma função. Antes disso eu fazia tudo na mão.
Inclusive minha mulher já chegou a forjar machados comigo.
(Otto)( risos) Que legal!!!
(Andrey) Dá pra fazer a quatro mãos, a pessoa que está batendo pode usar uma marreta bem grande, com cabos de 70 ou 80 centímetros. Essa prensa que eu tenho tem uma pressão de 800 toneladas então dá pra pegar um bloco de aço de 5 ou 6 kg quente e colocar ali que ela esmaga.
(Otto) “Noooossa, que maneiro!” Como ela funciona?
(Andrey) Ela tem um motor bem potente e funciona através de bombeamento de óleo, gerando movimento, você já deve ter visto isso em tratores, essa prensa é específica para cutelaria.
(Otto) Quando você vai forjar uma espada ou faca, tem que colocar o óleo na prensa?
(Andrey) Não, o óleo fica dentro da máquina, você não vê, a prensa é controlada por pedal.
(Otto) Além de a gente estar fazendo uma entrevista super bacana, eu ainda estou aprendendo sobreo funcionamento das máquinas e a cultura do ferro! Onde você faz têmpera, na água ou no óleo?
(Andrey) Eu faço no óleo, na cutelaria os aços que eu costumo usar se comportam melhor no óleo, os aços temperados em água possuem menos carbono na composição. Os aços de lâminas requerem um resfriamento mais lento, por isso faço no óleo.
(Otto) Muito legal!!! Agora a gente vai pra última pergunta, que eu gosto bastante, que é assim: você faz teste de resistência com as armas que você faz?
(Andrei) Eu faço, na verdade eu faço facas, facões e machados e sou o cuteleiro mais conhecido no Brasil pelos meus machados. Cada tipo de peça requer uma especialização. Eu faço testes quando a peça não tá ficando do jeito que eu estou querendo, mas nesses testes a peça é destruída. Quebrando a lâmina para ver como o aço respondeu. É necessário usar a morsa e um cano de ferro pra puxar a ponta da lâmina pra poder quebrar, e tem os testes de corte, cortando madeiras bem duras, nesse caso, depois de cortar as madeiras, a lâmina tem que conseguir estar afiada e cortando os pelos do braço.
(Otto) E você tem instagram?
(Andrey) Tenho sim, é: https://www.instagram.com/andreynavarre/
(Otto) Eu estou muito feliz de ter feito essa entrevista com você! Fiquei lisonjeado e você foi muito gentil em responder as minhas perguntas. Muito Obrigado!
(Andrey) Eu que agradeço Otto, por seu interesse. Obrigado!
As imagens abaixo são de alguns trabalhos do Andrey, vale lembrar que ele é considerado o melhor cuteleiro de machado do Brasil! Se quiser ver mais, acesse o site dele: http://www.andreynavarre.com.br/

